05 agosto 2007

Pode-se permitir que um povo seja regido por criminosos?

Por Julie Gregson

Berthold von Stauffenberg é filho do conde que planejou o atentado frustrado de 20 de julho de 1944 contra Hitler. Ele falou à DW-WORLD.DE sobre a influência do pai em sua vida e a necessidade de coragem moral.

DW-WORLD: O senhor tinha apenas dez anos quando seu pai [o cabeça do atentado de 1944 contra Hitler, conde Claus Schenk von Stauffenberg] morreu. Sabia alguma coisa sobre as atividades subversivas dele? Ou o resto da família?

Conde Berthold Maria Schenk von Stauffenberg: Claro que não. Tudo tinha que acontecer de forma absolutamente secreta. Quando crianças ficam sabendo de uma coisa dessas, sempre há o perigo de que deixem escapar algo. Minha mãe sabia das atividades dele e também as apoiava. Mas nós não notamos absolutamente nada.

Mas quando sua mãe ficou sabendo?

Relativamente cedo ela notou algo e interpelou meu pai. Ele lhe contou não sei quando. Ela sabia que ele iria fazer algo. O que ela não sabia, é que colocaria uma bomba.

Quando e como ficou sabendo do atentado? Quais foram seus primeiros pensamentos e sentimentos?

Soube pelo rádio que houvera um atentado. Somente no dia seguinte minha mãe contou a mim e a meu irmão mais novo que meu pai fora o autor, o que não compreendemos de forma alguma. Foi um grande choque. Após essa conversa, vieram buscá-la durante a noite. Não a vimos nunca mais, até junho de 1945.

O senhor falou de "choque". Isso foi por ouvir pela primeira vez da morte de seu pai, ou pelo fato de ele estar envolvido na resistência?

Ambos. Bem, hoje em dia talvez ninguém acredite, mas na época a morte não era nada fora do comum. Cerca de um terço de meus colegas de classe já não tinha mais pai, e era sempre preciso contar com isso, e a morte podia chegar de vários modos, por ataques aéreos etc. Mas foram naturalmente também as circunstâncias de sua morte, por ele haver agido contra a autoridade estatal. Isso não se coadunava com a nossa imagem do mundo. Nós nos perguntávamos: "Como ele pode fazer isso contra o Führer?". Então minha mãe disse que meu pai acreditava ter que fazer isso pela Alemanha. Na época não entendi muito bem. Demorou um pouco até eu conseguir processar isso.

Então o senhor foi educado nos moldes da época?

Nos moldes, no sentido de não sermos educados como nazistas declarados. Porém o meio ambiente era assim. Como disse, meus pais tinham que ser muito cuidadosos. Eles não faziam críticas diante das crianças, mas também não mostravam entusiasmo. Mas o que se ensinava na escola era a doutrina nazista.

O que aconteceu depois de sua mãe ser levada embora?

A família foi esfacelada. A maior parte dos adultos de nossa família foi para os campos de concentração, mesmo quem claramente não estava envolvido. Era a chamada sippenschaft [toda a família foi punida pelas ações do pai]. Minha mãe e minha tia ficaram um bom tempo em prisão preventiva, pois queriam descobrir se elas sabiam de alguma coisa. Mas não conseguiram. Nós fomos levados para um orfanato especial, onde ficaram alojadas todas as crianças do 20 de Julho [de 1944, o dia do atentado] e do general Seidlitz. E lá ficamos, até depois da ocupação pelos americanos.

Sua biografia posterior foi marcada pelo atentado? O senhor se tornou militar.

"Marcada" talvez não seja a expressão certa, mas ele me influenciou fortemente. Quando se tem um nome conhecido – e é óbvio que ficamos conhecidos – a vida é um pouco diferente de quando se pode ser anônimo. É difícil em qualquer profissão, mas ainda mais quando se adota a profissão paterna. Fui para as Forças Armadas, pois achei que iria gostar. Não para seguir uma tradição, ou por causa de meu pai, mas sim apesar de meu pai.

Existem interpretações errôneas a respeito de seu pai que o irritam em especial?

Sempre se diz que no início ele era nazista, e que só mais tarde mudou. Isso sempre soa bem demais, e soa bem para aqueles que foram, eles próprios, nazistas. Não teria nada contra, se tivesse sido assim, só que fatualmente isso não é correto. De início, meu pai não era nem nazista nem antinazista, mas sim queria ver o que viria e julgar com autonomia. E possivelmente contradisse, na época, tanto adeptos quanto adversários do nazismo. Ele dava grande valor à autonomia.

O que falta nos retratos corriqueiros de seu pai?

Naturalmente não posso julgar isso tão bem, pois não o conheci o suficiente. É um desserviço transformá-lo num super-homem ou num superstar, como se diz hoje em dia. Mas tampouco ele era um homem comum da massa. Acho, sim, que ele tinha um talento especial.

Houve cerca de sete filmes, inclusive documentários, sobre o tema, e agora Hollywood e Tom Cruise o abordam. O senhor tem a impressão de que a opinião pública está se apoderando de sua história pessoal?

A de meu pai foi, é claro, confiscada pelo público. À parte os filmes, que, no geral, foram benévolos, na literatura houve também desde rejeição até infâmia.

E mesmo assim sua família não se isolou da vida pública?

Não. Acreditamos que honrar ou não as ações de meu pai não seja uma questão da família, e que ela deve manter a distância. Isso não significa que sejamos contra ou que não apoiemos as atividades, mas não o fazemos ativamente.

No decorrer dos anos mudou bastante a recepção histórica da resistência de que participou seu pai. Depois das denúncias iniciais e a heroicização subseqüente formou-se uma imagem mista. As novas avaliações estão mais próximas da verdade?

Sessenta anos são um tempo longo. Dos que participaram ativamente da guerra, só uns poucos sobraram. Mesmo seus filhos já são de idade agora. É perfeitamente natural que a imagem também mude. Ela resvala da vivência ativa para a história, sendo que muitos erros podem se insinuar, é claro. [...] Como sempre foi o caso, a história que conhecemos tem um número incrível de erros de que não sabemos e que nem é possível reconhecer.

Qual é a importância dos acontecimentos do 20 de Julho para a Alemanha, em âmbito nacional e para o senhor mesmo?

Não quero extrair nenhuma lição para o povo alemão, nem para o mundo. Mas uma coisa talvez se possa dizer: quando se percebe um dever moral, deve-se segui-lo, e isto, mesmo agora. Não é uma questão de política, tampouco de ser ou não democrata. É uma questão de moral. Pode-se permitir, quando existe a possibilidade, que um povo seja regido por criminosos? Mesmo, diria eu, que eles tenham sido eleitos por esse povo?



Enviado por Rivádavia Rosa

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